Em contraste com a cidade tradicional, a cidade construída a partir do século XX é composta por uma
maior quantidade de vazios. Tal situação resulta de códigos arquitetônicos higienistas, de uma
grande infraestrutura viária fruto do zoneamento excessivo e frequentemente monofuncional, além do
foco dado aos edifícios em detrimento às áreas livres dos espaços públicos. No entanto a cidade
contemporânea continua servindo a pessoas e a suas relações sociais, que acabam se apropriando
desses espaços, de alguma forma. Atento a esse devir, este artigo investiga a forma em que se dá a
apropriação das áreas verdes do Setor Sul, em Goiânia, bairro nobre de localização central. O Setor
Sul integra o plano inicial da cidade e seu desenho foi inspirado no modelo de cidade-jardim,
entrecortado por uma extensa malha de áreas verdes. Tais áreas acabaram como espaços residuais,
com precárias condições de uso, representando fronteiras intrabairro e espaços de atividades
marginais. No entanto é possível perceber nesses espaços públicos sinais de apropriações feitas por
pessoas que neles se aventuram. Essas apropriações revelam a urbanidade possível nessa
paisagem e, segundo Certeau (1998), elas seriam uma forma qualificada de produção do espaço
urbano, em resposta à produção racionalista, feita por técnicos e políticos que jamais terão o domínio
absoluto do espaço por eles criado. O autor denomina essas práticas cotidianas como táticas,
entendidas como as astúcias dos mais fracos, ao aproveitarem as brechas do sistema dominante.
Essa arte de produzir com as próprias mãos e a partir do que se tem à mão Lévy-Strauss (1989)
denomina de bricolagem, práticas sempre impregnadas com algo de seu autor, reveladoras de afetos.
Táticas urbanas bricoladas são, portanto, representações individuais e aspirações por vezes utópicas
sobre o caráter do espaço público; urbanismo tático preenchendo os vazios estratégicos da cidade.
De modo a contribuir para a compreensão da heterogeneidade da produção e uso da cidade, este
artigo busca reconhecer essas manifestações de urbanidade pelo bairro-jardim de Goiânia através da
produção de uma cartografia que localize tais materialidades no contexto em que foram criadas,
buscando perceber os movimentos de desejo que as formam (ROLNIK, 2006). Acredita-se que suas
composições poderão ajudar a compreender a urbanidade resultante da matéria que compõe o
bairro-jardim de Goiânia.
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